Urubu-Rei Exposição Galeria Goma Arte e Cultura-2018
Aqui está o convite para a vernissage desse evento no dia 15 de setembro de 2018, das 14 às 22hs.
Aqui vai o texto explicativo da motivação desse evento
URUBU-REI, por Francisco Flores e Mathias Reis
Urubu-Rei é uma ocupação de artes e eco-lógicas a partir de uma curadoria conjunta entre o Goma Arte e Cultura com o Atelier Contágio. Os espaços são ocupados por uma exposição de artes visuais, recebendo também em sua área externa instalações, esculturas, bio-construções e reutilização de pallet’s e de grandes bobinas carreteis, material doado através do apoio do setor de sustentabilidade da Empresa Amphenol Broadway Solutions. Ao longo do dia de abertura, o evento recebe ainda uma mostra de performance, pintura ao vivo, apresentações sonoras-musicais, tatuagem e fogueira.
Reunindo uma rede de artistas que se uniram para refletir sobre como interferir no ambiente e criar junto a suas relações eco-lógicas, a experiência do Atelier Contágio teve inicio em 2016 num espaço físico também alocado em Barão Geraldo. Durante dois anos foram desenvolvidos projetos artísticos vinculados a mutirões de permacultura, agregando outras pessoas para o plantio de hortas, construção de viveiros, reutilização de pallets, construção com bambus, forno de taipa dentre outros. Após duas mostras públicas, uma realizada em 2017 e outra no inicio de 2018, os artistas decidiram por levar essa experiência a outros lugares. Assim como a terra que desliza por baixo dos muros e não respeita fronteiras, o Contágio tornou-se um atelier nômade - sua espacialidade existe nas vivências trocadas entre os participantes e com os lugares que ocupa.
Mais que um lugar, o Goma é um projeto de agenciamentos artísticos, musicais, culturais, familiares, filantrópicos, midiáticos, gastronômicos, estéticos e de modos de viver. Já houveram encontros como um desfile de moda de vestuário agênero, palestras, bazares, oficinas de mandalas de cerâmica, cosméticos naturais, cursos de astrologia, exposições de ilustrações, aulas de yoga, apresentação de músicas devocionais, flash tattoos, eventos de adoção de animais, batalhas de rap, campeonato de tênis de mesa e longas festas. O encontro entre estéticas e manifestações culturais, de fato, se torna mais que especial: não é apenas uma soma de duas redes que buscam pela diferença e multiplicidade, é criação - o todo é mais que a soma das partes - algo de novo se enuncia!
Vivemos num regime dominante que permeia todos os campos de expressão semióticos. O capitalismo se instala na própria produção de subjetividade que se vende massivamente como promessa de singularização para milhões de sujeitos. Promove como principal estratégia de expansão, a captura dos processos de subjetivação num movimento de nivelamento. Deleuze e Guattari em o ‘Anti-Édipo’ apontam que o capitalismo é capaz de se metamorfosear - ele alarga seus limites elasticamente. Sempre que pensamos que nos aproximamos de seus limites históricos, esperando por uma crise ou sua superação, seus horizontes são colocados além, e assim permanece, embora não seja sempre o mesmo.
Queremos que experiências de vida enriquecedoras sejam articuladas com atitudes políticas focadas em capturar tudo que nos é dado pela mass-media, pelo regime moral dominante, pela família, pelo trabalho, pela publicidade, e destrinchar seus elementos molares apostando nas possibilidades da experimentação criativa, numa tentativa de reverter os elementos estratificados. Mesmo que a subjetivação contemporânea se encontre inexoravelmente ancorada em dispositivos capitalistas, não somos totalmente aprisionados, sempre é possível resistir as modelizações e ser tão inventivos e produtivos quanto.
Com isso, ao invés de distinguir a cultura da natureza, compreendemos o ambiente como parte desse contexto, uma ecologia social, que, no entanto, não é exclusiva dos seres humanos. Elementos industriais reaproveitados ou não, também estão inseridos nos projetos artísticos e nos hábitos dos envolvidos. Vemos que a proximidade entre questões sociais e ambientais estão sempre reunidas num único espaço compartilhado entre diversas espécies onde matéria, energia e subjetividade produzem um jogo de forças. Isso não é entendido como uma contradição, mas como sintoma de complexidade. Se ignorarmos esses paradoxos – corremos o risco de forjar nossas experiências a marretadas por um romantismo.
Essa alta dosagem de realismo, ou de sobriedade, são necessárias à nossa loucura, são o pé na terra de onde brotam os pensamentos mais abstratos. Não é de se surpreender que quem chegou a última edição do Contágio encontrou artistas em performance serrando uma árvore exótica invasora (Leucena). Essa árvore nasceu no muro de divisa com outra propriedade, ambas alugadas por pessoas que não poderiam restituí-lo: a eco-lógica do ambiente não é uma harmonia holística, exige nos situarmos eticamente em grandes conflitos – quem afinal, serrou a árvore?
Nos interessam essas escolhas perante os processos, vivências, deslocamentos e encontros com os gérmens de novos mundos, devires moleculares de onde partem nossas expressões. Essa proposta não é uma ameaça a historicidade da arte por sua consciência socioambiental - nos alimentamos dela enquanto fazemos a antropofagia de um grande cadáver em decomposição a que chamam de país, ou mundo globalizado, que cai sobre nosso colo. Em Campinas, restam apenas 2,5% de sua vegetação originária, ao passo que esse desmatamento se deu à custa de séculos de escravidão. Ainda hoje, a desigualdade econômica entre os bairros da cidade é menor que a desigualdade de árvores por pessoa, segundo pesquisa da Secretaria do Verde. Do mesmo modo, acontecimentos recentes na refinaria de petróleo Replam causaram a emissão de gases tóxicos que afetaram indistintamente a saúde das pessoas, animais, plantações e ecossistemas da região.
No cenário contemporâneo a subjetividade é bem mais valiosa que o petróleo. Essa afirmação de Guattari e Suely Rolnik, estabelece a relação direta entre subjetividade e política, já que ela é fabricada, modelada, consumida, e produz mundos de humanos adultos, com consequências materiais alarmantes. Nossos movimentos devem ser atentos para perceber o que nos captura e nos homogeniza, nos codifica para o mundo da normalidade, um mundo do regime dominante. A subjetividade, como tudo aquilo que concorre para a produção de um “si”, um modo de existir, um estilo, é um campo de investimento criativo, um campo onde promovamos pequenas práticas que sejam focos de criatividade e experiências de vida enriquecedoras das relações das pessoas com o mundo. O horizonte está sempre em movimento por essas forças.
Percebemos que a perpetuação dessas condições, agravadas pela recente redução de direitos sociais e a ausência de critérios reguladores da especulação mercadológica sobre o ambiente, transformaram a perspectiva do país em um grande cadáver. Foi assim que surgiu uma grande correspondência de sentimentos, desejos e expressões com o Urubu-Rei, espécie hoje em extinção no estado de São Paulo, por sua capacidade regenerativa no ambiente. A espécie é capaz de ver a três mil metros de altura e sentir o cheiro da carniça a cinquenta quilômetros de distância. Com essa mesma atenção para a crise ética e sociopolítica, as produções artísticas se alimentam do que restou do país em bando, reciclam a subjetividade e a retornam aos demais organismos da cadeia alimentar como vida, diferença e criação.
“Evitemos dizer que há leis na natureza. Nela só há necessidades: ninguém manda, ninguém obedece, ninguém desobedece. Quando souberem que não há fins, saberão igualmente que não há acaso: somente em um mundo de fins que a palavra acaso tem sentido. Evitemos dizer que a morte é o oposto da vida. A vida não passa de uma variedade da morte e uma variedade muito rara (...). Mas quando acabaremos de nos preocupar? Quando teremos despojado completamente a natureza de seus atributos divinos? Quando poderemos nós, homens, tornar a ser natureza?” (NIETSZCHE, A gaia ciência)— com Sílvia Matos e
outras 27 pessoas
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Esta notícia dessa exposição além, de informações sobre o evento, apresenta a imagem da escultura exposta por Sílvia Matos.

DETALHES DA OBRA
Aqui está a programação detalhada do evento:
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